“Minha música sempre foi meio guerrilheira”
O cantor e compositor faz um balanço dos seus 30 anos de carreira, relembra sua infância de menino pobre no Bico do Papagaio que depois ganhou o mundo nas asas da música.
Roberto Carlos/ Focus

Ruy Bucar
Ele tem a cara e sonoridade do Tocantins. O cantor e compositor Genésio Tocantins, tem uma profunda identificação com o Estado. Sua música tem ligação direta com os elementos culturais que são a própria identidade do Tocantins. Isso é tão óbvio que até o governo finalmente teve reconhecer que a música Hino ao Tocantins, do compositor, é o verdadeiro hino do Estado e, por isso, deve ser adotado oficialmente. Diz a letra: Tocantins, Tocantins.../Gente forte, fé no porvir.../Tocantins,/Tocantins.../Liberdade, trabalho, amor...
Genésio Tocantins é militante dos movimentos culturais e duro crítico da falta de políticas públicas para a cultura. “Não são os shows eventuais de ‘calcinhas coloridas’ e bundas avantajadas, que vão mostrar a cara do nosso movimento cultural. Precisamos, a partir das escolas, levar o ensinamento das artes para as salas de aulas, pois só assim criaremos uma massa crítica capaz de influenciar no pensamento para mudanças e aperfeiçoamento de políticas públicas para o cidadão.” O cantor reconhece que tem havido alguns avanços por força da própria luta dos artistas que nunca deixam de cobrar.
Pioneiro em Palmas, onde chegou em 1990 e, não tendo onde morar, teve que “arranchar” embaixo de um pé de pequi, Genésio conta que veio fazer o show de lançamento da Pedro Fundamental da Capital e gostou tanto que resolveu voltar imediatamente. “Naquele momento da divisão, quis participar como protagonista nessa história, Palmas era ainda um projeto de cidade. Hoje olho para Palmas e fico feliz com o que vejo. A experiência é única, ver uma cidade surgir dia a dia no Cerrado tocantinense entre a Serra do Lajeado e o Rio Tocantins,” ressalta.
Genésio Tocantins nasceu nas barrancas do Rio Tocantins, em Sampaio, Bico do Papagaio, onde cresceu em meio os conflitos da Guerrilha do Araguaia e recebeu as influências que seriam determinantes na sua música. “Minha música sempre foi meio guerrilheira, minha poética nasceu e cresceu no meio desse contexto cultural-social-político. Sou um artista comprometido com meu tempo, com os temas contemporâneos, num país de tantos ritmos, sou apaixonado pelo o baião, samba, coco, frevo, ciranda, bumba-meu-boi, apaixonado pelo Brasil.’
Genésio define o Tocantins como um caldeirão de ritmos, estilos e gêneros, com uma música diversa e eclética por natureza. “É do Norte, é da Amazônia, é lindo, é roda é catira, é a ‘sússa’ de Paranã, os Catireiros de Natividade, os congos e as ‘taieras’ de Monte do Carmo, é Everton dos Andes, é Dorivã, é Chico Chocolate, é o Pedra de Fogo/Família Braga, é Braguinha, é Juraildes, que ganhou o 21ºPrêmio da Música Brasileira 2010, é Genésio, é Brasil.”
O que o sr. anda fazendo em termos artísticos?
“A vida na voz da gente não para nunca envelhece, as flores bordam canteiros, se uma seca outra floresce. Afino a lira do povo, nem senhor e nem escravo, vida andeja, índio bravo, na largueza dos gerais. Filho de muitas cantigas entoa um canto de paz” (Lira do Povo. Genésio Tocantins.) No mundo da arte musical é que faço meu caminhar. Sempre investigando novas sonoridades, novas trilhas, antigas e novas paisagens sonoras. Nesse ir e vir contínuo dos ventos, como as ondas do mar. A tal “carreira artística” que todo mundo fala, eu sigo passo a passo, sem pressa. Meu coração bate no ritmo das coisas que amo, da minha poética, das canções que canto, e na dança que danço. O meu fazer artístico é minha expressão maior, é aí que alimento e sustento a vida, nessa grande travessia. Mas, tem alguns projetos culturais no momento, que me motivam; Memorial da Música de Tocantins — registro em áudio e vídeo dos mestres da cultura, músicos, compositores, cantores, foliões, catireiros, susseiros, os criadores desse universo cultural, poético e musical tocantino. A ideia é catalogar e produzir um acervo artístico-cultural, destinado a apreciação, a pesquisa, o debate sobre esse processo de criação artística, influências, tendências e a cena cultural musical atual. Gerando um produto cultural como; partituras, livros, CDs, DVDs, documentários. Um inventário de manifestações culturais remanescentes e atuais, afro-brasileiro, indígenas e suas interrelações na sociedade contemporânea. O material a ser utilizado e veiculado nas escolas, onde a arte como disciplina, já faz parte da grade curricular. (agora obrigatório por lei; José Gomes Sobrinho - Deputado Eduardo Gomes). Além de contribuir com a educação formal, uma oportunidade para a reflexão sobre o nosso fazer artístico e cultural. Tem o projeto Feira da Passocultura, (Feira da 304 Sul), uma parceria com a Fundação Cultural de Palmas e outras instituições. Uma feira onde todos os agentes culturais, produtores, artistas, escritores, poetas, artesãos, possam vir participar de uma grande exposição de produtos artísticos e culturais e gastronômicos. A vida é feira, onde tudo se compra e se vende, onde a moeda de troca é a linguagem, o sabor, o cheiro, a arte de ser feirante que todos nós temos. Gostar de ir à feira, mas, não só aquela feira peg-pag, a feira do troco, da troca de informações, Passocultura é a feira do livro, do cordel, do CDs, do ceguinho da sanfona, da paçoca, da garapa, do pastel, do baião de dois, do chambari, da galinhada, do sarapatel, etc. A feira do encontro cultural, um café literário e filosófico, a feira do nosso tempo, sem, no entanto esquecer os primórdios. “A feira de Caruaru, tem tudo pra gente ver, de tudo que há no mundo, lá tem pra vender” (Luiz Gonzaga). Trocar, negociar no real ou no escambo. O que vale é a criatividade. A sscultura de uma terra, que a paçoca de carne seca com farinha, pilada no pilão de pau-brasil, simboliza a nossa culinária que mais conquista apreciadores e degustadores, depois de provar a primeira vez. Não é pizza, nem empadão, nem tutu a mineira, é a paçoca de Arraias, é a paçoca do Tocantins. Buscamos parcerias com o Sebrae, Feito, Fecomércio, Sesc, Sesi e outras empresas e instituições em apoiar e interessadas a botar a banca na Feira da Passocultura com seus produtos e serviços.
Também estou produzindo um novo CD de Cocos, que faz parte da trilha sonora do documentário; Dona Raimunda-Quebradeira2, em fase de filmagem, ainda sem previsão de lançamento. Um mergulho no fundo do coco, ritmo registrado pela primeira vez por Mário de Andrade em sua Expedição Cultural ao Norte e Nordeste Brasileiro. Difundido no meio fonográfico, por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Manoelzinho Araújo, Antonio Nóbrega e tantos outros que foram seduzidos e influenciados pelo ritmo do coco, do pandeiro e do ganzá, e pela capacidade que o cantador de coco tem de improvisar, a dicção das palavras, no trava-língua, e na embolada. Para Mário de Andrade, que em sua expedição, registrou mais de 500 cocos, tocados nos terreiros de terra batida, nas palmas, nos sapateados e nas umbigadas, um samba de caboclo. O coco está no DNA da MPB (Música Popular Brasileira), como uma das células desse organismo, feito o samba, o choro, o baião, a bossa-nova. O coco está na Tropicália com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé e tantos outros. Enquanto seu Lua cantava; “Nesse coco não vadeio mais, apagaram o candeeiro e derramaram o gás...” (Luiz Gonzaga). Eu canto; “É na batida desse coco, que’u vadeio mais, não sou candeeiro, e to chein de gás...” (Na batida do coco — Genésio Tocantins).
Participo de vários Festivais de Música Popular Brasileira, que acontecem no Brasil inteiro, palco aberto a grande diversidade musical do país, há um público fiel e os mais ativos compositores brasileiros que atuam nesse vasto universo cultural alternativo. Onde é possível ouvir obras musicais inéditas do mais alto valor criativo, que ainda vão fazer parte do vasto repertório do cancioneiro brasileiro. São mais de uma centena de festivais, prêmios e troféus, nesses quase 30 anos, levando minha música aos quatro cantos do Brasil. O mais recente foi o Musicanto -Festival Sul-Americano de Nativismo 2009-Santa Rosa, Rio Grande do Sul, 1º lugar com a música “Ser-tão Forte”, com a participação especial de Braguinha Barroso.
Qual foi o seu último trabalho?
Ainda não fiz! Não há último trabalho, o processo de criação é dinâmico e contínuo, é sempre uma ideia encadeando outra ideia, o que tá no pensamento, o que tá sendo moldado, o que tá na forma, o que tá no forno, o que tá por vir. Quanto ao trabalho fonográfico mais recente é o CD “Amazônico”, álbum com 14 músicas, no repertório parcerias com Juraildes da Cruz, Braguinha Barroso, Wanda D’Almeida, Antonio Solé e entre outros parceiros. Para o teatro estávamos fazendo o espetáculo “Brasil Clássicos Caipira”, composto por um repertório das 20 mais significativas músicas caipiras de raiz da música brasileira de todos os tempos: de “Trenzinho do Caipira” (Villa-Lobos e Ferreira Gullar) a “Tristeza do Jeca” (Angelino Oliveira/Tonico e Tinoco), de “Disco Voador” (Palmeira e Biá), a “Cuitelinho” (Paulo Vanzolini), de “Rio de Lágrimas” (Tião Carreiro e Pardinho) a “Romaria” (Renato Teixeira), de “Saudade de minha Terra” (Goiá e Belmonte) a “Luar do Sertão” (Catulo da Paixão Cearense). Direção musical; Maestro Rildo Hora; arranjos, maestro Joaquim França, direção-geral Nilson Rodrigues, apresentação Antônio Grassi, elenco; Pena Branca, As Galvão, Dércio Marques e Genésio Tocantins.
Como foi esta experiência dos clássicos caipiras ao lado de grandes nomes da música brasileira?
Emocionante. O concerto seguia a programação do Centro Cultural Banco do Brasil Itinerante, estreando no Teatro Arthur Azevedo em São Luiz do Maranhão, onde realizamos a primeira gravação do DVD-Brasil Clássicos Caipira, é possível conferir no Youtube, vale à pena. Em seguida fomos a Porto Alegre no Teatro São Pedro, depois Vitória Teatro Universitário, Campo Grande (MS), no Centro de Convenções Sala Manoel de Barros, encerrando a primeira temporada em Belém, no Hangar-Sala Waldemar Henrique. Experiência inesquecível poder atuar com artistas da mais alta qualidade musical, um repertório que contempla os últimos 80 anos, desde a primeira gravação dessa música caipira de raiz. Arranjos para orquestra, o que faz do espetáculo um concerto de 20 clássicos caipiras, obras essenciais para o cancioneiro brasileiro. Uma viagem sonora a bordo do Trenzinho do Caipira através desse Brasil musical.
O sr. teve grande exposição na mídia nacional com a participação no programa “Domingão do Faustão” (Rede Globo) com o festival de novos talentos. Fale dessa experiência.
De grande significado na minha trajetória artística, me apresentou ao Brasil inteiro, fazendo com que a música que cantei “Nóis è Jeca Mais é Jóia” (Juraildes da Cruz), fosse executada e regravada por mais de dez artistas e bandas chegando a fazer “xuxexo” fora. Como a intenção era apresentar algo inédito, original, o objetivo foi alcançado, quanto à produção do programa do Faustão acabou não cumprindo o que prometeu, que seria a produção do CD com todos os finalistas, ficando por isso mesmo, coisas do Brasil.
Seria possível fazer uma síntese dos seus trabalhos nestes 30 anos de carreira?
Começaria pelas parcerias, ao chegar a Goiânia vindo do norte goiano, conheci Juraildes também nortista e começamos uma parceria promissora, formamos uma dupla que marcou presença no cenário brasileiro através de apresentações em programa como o "Som Brasil" TV Globo, apresentado por Rolando Boldrin. Vieram os festivais com destaque para o Festival da Canção Brasileira-1979, realizado pela TV Tupy, onde nomes como Fagner, Dominguinhos, Alceu Valença, Jackson do Pandeiro, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Valter Franco, Caetano Veloso, Jorge Ben Jor, já reconhecidos e outros nem tanto; Kleiton e Kleidir, Juraildes da Cruz, Genésio Sampaio (Tocantins), Celso Viáfora, Osvaldo Montenegro, entre outros. Ainda era ditadura, o que fez do festival, o palco principal para alguma manifestação artística ou popular, todo um esquema de segurança, e todas as canções já haviam passado previamente por uma análise do órgão censor responsável. Jornalistas, produtores, artistas, cantores, compositores, editoras musicais e gravadoras, todas buscando algum sucesso imediato. Músicos, maestros, intérpretes, nos bastidores é que acontece o desenrolar das cenas que vão contar parte dessa história do Brasil, através dos festivais que revelaram as mais belas canções da MPB. “Quem me levará sou eu” (Dominguinhos e Manduca) foi a grande vencedora, com uma visceral interpretação de Fagner, “Canalha” (Valter Franco), segundo lugar, "Bandolins" (Osvaldo Montenegro), terceiro lugar, e por decisão do corpo de jurados duas canções; “Tempo de Colheita” (Genésio Tocantins), interpretada por Toninho Café, Juraildes da Cruz e Genésio Sampaio (Tocantins), “Menção Honrosa”, juntamente com a música “Maria Fumaça” (Kleiton e Kleidir), alem de várias críticas positivas em jornais, revistas, rádios e TVs que faziam a cobertura do festival. Desde então os festivais foram um caminho natural para a exposição da minha arte musical, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, do Mato grosso ao Espírito Santo, segui a “trilha dos festivais”, onde fui agraciado com prêmios e troféus em mais de uma centena desses concursos. Outros parceiros como Braguinha Barroso, Hamilton Carneiro, Wanda e Adalto, Lucas Farias, Tião Pinheiro, muito contribuíram ao meu fazer poético musical, a música “Frutos da Terra” (Genésio/Hamilton), tema do programa “Frutos da Terra” TV Anhanguera /Globo completou 25 anos, toda uma geração que cresceu vendo e ouvindo “Frutos da Terra”, produzido e apresentado por Hamilton Carneiro,” — Deus te ponha em virtude!”. Um marco para a música feita em Goiás, revelando e mostrando toda diversidade cultural com suas tradições, mas, em diálogo permanente com a atualidade, espaço aberto aos compositores, cantores, escritores, poetas, pintores, cozinheiros, catireiros e foliões e a “mió” prosa desse cerradão de meu Deus. O programa “Frutos da Terra”, hoje com quase 30 anos no ar, é fonte de estudos e pesquisas por alunos e professores universitários, conteúdo para um livro concluído como tese de doutorado em universidade goiana, inédito a ser lançado, ainda sem data definida. Em 1988, gravei o meu primeiro disco vinil, o LP “Rela Bucho” , RGE, produção e arranjos do maestro Rildo Hora, maestro Leonardo Bruno e o maestro Geraldo Vespar, com tudo que tinha direito uma produção fonográfica, com esse disco fui indicado em quatro categorias no 2º Prêmio Sharp de Música Brasileira-1989, “Melhor Disco”, “Melhor Música”, Melhor Arranjo” e “Cantor Revelação”, categoria que fui premiado com o troféu “Dorival Caymmi”. Em 1990 montei o projeto “Brasis as canções e o povo”, espetáculo multimídia, que estreou no Teatro Goiânia, uma parceria com o artista plástico e poeta René Brunes, originando um programa de televisão na TV Palmas/Cultura-Tocantins, recebeu o Prêmio Cultural e Financeiro da Casa Fiat do Brasil, através do edital Concorrência Fiat do Brasil/90.
O fato de ser um verbete no “Dicionário da Música Popular Brasileira de Ricardo Cravo Albim, muito me honrou, e não poderia deixar de citar. Na área da investigação musical, o projeto "Cantos do Tocantins” o som o ritmo e o povo”, parceria com a Fieto-TO, foi possível fazer um amplo registro sonoro da música e sons, dos rituais indígenas dos carajás-Ilha do Bananal-TO, às folias de Natividade e Paranã, os Congos de Monte do Carmo, ao Reisado de Porto Nacional, à música e os ritmos, das manifestações e tradições folclóricas, em comunidades de remanescentes afro-brasileiro, à música criada pelos os compositores, no campo e na cidade, hoje no Tocantins.
Quando o sr. começou e o que o atraiu para a música?
A própria música. Veja bem, nasci no interior, ribeirinho, das barrancas do Rio Tocantins, bebi notas musicais em seu veio caudaloso, do nascer ao por do sol, a música me acordava e me adormecia, sinfonia natural dos pássaros e animais e minha mãe que sempre tinha uma cantiga na ponta da língua, as festividades, os festejos de santos juninos tudo isso alegraram minha infância. Os cantos de mutirão, as cantigas de roda, as folias de reis e divino “as divindades”, com suas caixas, pandeiros e violas enfeitadas de fitas, a ida nas feiras nos finais de semana, ouvi os cantadores de coco, de repente improviso feito na hora a partir de um mote proposto pela a audiência, os livros de cordéis, os pregões dos feirantes, toda essa sonoridade se misturam em meu universo musical. Não tinha como ser diferente, ainda criança eu já cantava aquelas cantigas que ouvia, acrescentando versos a partes que não havia decorado. Mas foi na escola que a criatividade aflorou nas gincanas e festivais estudantis. A gente escolhe, mas, é também escolhido, me sinto feliz por esta escolha. A música tem poder transformador. Ampliando relações, parcerias e amizades, levando-me a lugares e climas, que só a música poderia me levar. Más, o que me levou a música, me fazendo músico, foi à possibilidade da criação, da criatividade, de poder expressar pensamentos e sentimentos ao compor uma canção. O desafio.
Qual a influência da sua região, Bico do Papagaio, na sua música?
Já disseram que o homem é fruto da árvore a qual pertence. O ambiente também faz o homem, faz o artista, e nesse caldeirão em que a cultura se mistura é onde a expressão artística se manifesta. Venho das ribeiras do Tocantins e do Araguaia, que se abraçam liquidamente dando o formato de bico-de-papagaio, região mesopotâmica ao norte do Tocantins, fazendo fronteiras com o Pará e Maranhão, palco da Guerrilha do Araguaia anos 60/70. Para nós crianças, havia uma guerra nas matas do Araguaia em Xambioá, distante 60 km de Araguaína onde vivi a infância. Vivíamos cercados pelo o Exército Brasileiro e os terroristas, como eram chamados os comunistas pelas as Forças Armadas. Então minha música sempre foi meio guerrilheira, minha poética nasceu e cresceu no meio desse contexto cultural-social-polítco. Sou um artista comprometido com meu tempo, com os temas contemporâneos, num país de tantos ritmos, sou apaixonado pelo o baião, samba, coco, frevo, ciranda, bumba-meu-boi, apaixonado pelo Brasil. Venho do “encontro das águas”, sem fronteiras culturais na divisa com o Pará com seus merengues e carimbós, e o Maranhão com seus bumbas-meu-boi e cacuriás, onde os gostos se misturam, num mesmo tempero chegado na pimenta no tucupi. Sou do pirão de peixe com pimenta, sou do baião-de-dois e da maria-isabel, do tacacá, do coco de roda, do lindô, da mangaba, do siriá, a MPB, têm tantas vertentes. O Tocantins também deságua no mar.
Porque o sr. resolveu trocar Goiânia por Palmas e mudar o nome de Genésio Sampaio para Genésio Tocantins?
Na verdade não houve uma troca, houve sim, uma opção histórica, naquele momento da divisão, quis participar como protagonista nessa história, Palmas era ainda um projeto de cidade, hoje olho para Palmas e fico feliz com o que vejo. A experiência é única, ver uma cidade surgir dia a dia no Cerrado tocantinense entre a Serra do Lajeado e o Rio Tocantins, com a construção da represa, Palmas fica às margens do Lago do Lajeado. Vim a Palmas para fazer o show musical no lançamento da Pedra Fundamental da cidade, 20 de maio de 1989, onde é a Praça dos Girassóis. A minha herança candanga me fez voltar a Goiânia para só preparar a mudança, e 1º de janeiro de 1990, mudei para Palmas, como não tinha casa, montei acampamento embaixo de um pé de pequi frondoso, que até hoje todo ano carrega de pequi carnudo e saboroso. E muita poeira e lama. Nasci goiano do norte, o nortista, sempre serei goiano, o Tocantins acrescido ao nome foi à forma carinhosa de homenagear essa natureza pródiga da minha região em toda a sua musicalidade. O Tocantins é musical até no nome, toca-canta - e brinda a todos com seus-tins. É identitária.
Como vai o movimento cultural do Tocantins?
O que movimenta a cultura é o artista, o fazer artístico. Em uma sociedade nova como a nossa a criação de um repertório cultural artístico e histórico, carece de investimentos por parte dos governos em espaços destinados ao fazer artísticos, políticas públicas de incentivos culturais, através de aportes financeiros e gestão empreendedora. O Tocantins é lugar de confluência, de encontro, gente de todos os lugares, costumes, hábitos e culturas variadas. A cultura como outros setores do governo, tem que ter projeto, planejamento e orçamento para execução de alguma meta. Não são os shows eventuais de “calcinhas coloridas” e bundas avantajadas que vão mostrar a cara do nosso movimento cultural. Precisamos a partir das escolas levar o ensinamento das artes para as salas de aulas, pois só assim criaremos uma massa crítica capaz de influenciar no pensamento para mudanças e aperfeiçoamento de políticas públicas para o cidadão.
O ex- ministro da Cultura Juca Ferreira, em entrevista a revista Brasil-Almanaque de Cultura Popular disse “A cultura é a argamassa da sociedade”. Uma civilização não se constrói só com tijolos, esgoto, moradia, saúde, a cultura deve ser vista como política pública, uma grande e inexplorada força econômica, e até como estratégia geopolítica. Os números brasileiros sobre o consumo cultural são baixos e no Tocantins não são diferentes, poucos teatros, museus, bibliotecas e cinemas, faz com que o nosso acesso a bens culturais, ainda seja para poucos.
O Tocantins tem uma música, que música é essa?
O Brasil é um país musical e o Tocantins é musical até no nome. Ao mergulhar no rico e caudaloso manancial sonoro da musicalidade tocantina, tomei fôlego na Ilha do Bananal aldeia “Boto Velho”, noite de lua cheia “Festa do Hetohoky”, ritual de passagem das crianças Carajás a categoria de jovens guerreiros da tribo, “Casa das Máscaras”, o canto dos “Aruanãs” em duplas com maracás entoando vozes guturais, ecoando nas matas e a aldeia em festa. Música de beleza ancestral, evocação do sagrado para o Carajá, o povo Ynã. De bubuia eu aportei em Paranã, para ouvir o melhor tambozeiro de sússa, conhecer o Mestre Laurindo, cantando e tocando tambor confeccionado por ele, com um tronco de mirindiba ocado por alguma colméia. Numa coreografia representando cada tema ou assunto cantado, Inês parecia um “passarin beija fulô” flutuando nos quatro cantos do salão, da formiga jiquitaia, sússa dançada aos pares enquanto um tenta tirar com as mãos as formigas do corpo do outro, revelando toda uma sensualidade e brejeirice, ou então quando dança com uma garrafa de aguardente na cabeça girando e rodando sem que a garrafa caia no jogo de dança e equilíbrio. Em Natividade, os catireiros Belarmino, Patrício e seus companheiros, me encantaram com seu catira de pandeiros em vez dos palmeados, revelando em suas composições uma poética sertaneja de grande valor artístico. “Os Congos” de Monte do Carmo e suas “Taieras” têm ainda o festival de folclore de Santa Rosa desfilando várias modalidades desse repertório tocantino. Ainda há no Tocantins em muitas comunidades meio isoladas, uma música étnica, autóctone, que ainda não foi tão contaminada pela indústria cultural, a exemplo da música indígena (karajá/javaé, krahô, xerente, apinajé) e a música praticada em comunidades quilombolas. Na atualidade temos muitos compositores da MPB ao Rock, do Samba ao Choro, do Forró a Música Sertaneja, do Brega ao Rap e Hip-Hop, bandas de Axés e de bailes, enriquecendo e aquecendo esse ainda incipiente mercado. A música do Tocantins é esse caldeirão de ritmos, estilos e gêneros, diversa e eclética por natureza, é do Norte, é da Amazônia, é Lindo, é Roda é Catira, é a “sússa” de Paraná, os Catireiros de Natividade, os “congos” e as “taieras” de Monte do Carmo, é Everton dos Andes, é Dorivã, é Chico Chocolate, é o Pedra de Fogo/Família Braga, é Braguinha, é Juraildes, que ganhou o 21ºPrêmio da Música Brasileira 2010, é Genésio, é Brasil